Não é novidade que a obesidade pediátrica continua a ser a doença pediátrica mais prevalente em todo o mundo e Portugal encontra-se entre os cinco países europeus onde a sua prevalência é mais elevada.
São várias as repercussões a longo prazo da obesidade pediátrica como diabetes tipo II, hipertensão arterial, dislipidemia, apneia do sono, sendo uma das mais preocupantes a sua persistência na idade adulta. Estudos mostram que mais de 60% das crianças com obesidade serão adultos obesos, prevendo-se que nestas crianças, a idade média para o aparecimento destas repercussões seja cada vez menor. Para além destas complicações, também o impacto na qualidade de vida destas crianças, como na autoestima e na relação interpares representam repercussões preocupantes.
Porque é que é tão difícil tratar a obesidade pediátrica?
Enquanto médica na área da Medicina Geral e Familiar apercebo-me diariamente do quão difícil e pouco eficaz é o tratamento da obesidade, uma vez que depende em grande parte da motivação do utente, das suas escolhas individuais e do cumprimento dos planos e estratégias propostos pelos profissionais de saúde. A obesidade pediátrica, especificamente, não fica atrás. Considero o seu tratamento ainda mais difícil, uma vez que para além das escolhas da criança ou adolescente, dependemos também dos pais e restante família. A família, em especial os pais, assumem um papel fundamental no tratamento e prevenção da obesidade pediátrica, uma vez que são os principais responsáveis pelas escolhas alimentares da criança, pela gestão de tempos livres e atividades extracurriculares e pela criação de hábitos de vida saudáveis nesta faixa etária.
Muitas vezes assistimos a uma perpetuação de hábitos alimentares não saudáveis e estilos de vida sedentários de pais para filhos sendo muito comum observar-se na consulta obesidade pediátrica em famílias em que vários membros apresentam obesidade.
Esta dificuldade leva-nos a repensar novas estratégias eficazes no tratamento da obesidade pediátrica, que devem ser abrangentes, bem estruturadas, envolvendo as famílias, as escolas e os profissionais de saúde. Para além disso, o envolvimento político a nível nacional para a implementação destas estratégias na sociedade e de forma abrangente seria fundamental para o alcance de resultados.
Quais são os atuais desafios?
Vivemos numa época em que a tecnologia roubou o lugar à atividade física, aliando-se ao sedentarismo. Os ecrãs com toda a versatilidade e novidade constante, que lhes é característica, tornaram-se mais atraentes do que brincar, correr ou praticar um desporto.
Estamos a assistir a uma adoção de estilos de vida cada vez mais sedentários, como aumento do número de horas passadas em frente aos ecrãs logo desde a primeira infância. Paralelamente, os maus hábitos alimentares têm vindo a ser adotados numa fase cada vez mais precoce. A falta de tempo no dia a dia favorece o maior consumo de snacks riscos em sal, açúcar ou gordura e alimentos de elevada densidade energética.
Durante a pandemia pela COVID-19 estes desafios viram-se intensificados. O tempo de ecrã aumentou tanto devido à criação da tele escola e à necessidade de adaptação das aulas para formato online, como devido ao confinamento obrigatório e ao aumento do número de horas passadas em casa. As atividades extracurriculares nomeadamente desportivas viram os seus treinos cancelados e a atividade física organizada tanto ao ar livre como nos ginásios também. Viveram-se meses em que a atividade física dependia da originalidade e capacidade de adaptação individual.
Ao longo da retoma das consultas presenciais no centro de saúde houve uma perceção de que também os hábitos alimentares se alteraram na fase da pandemia. Quando era feita a avaliação do peso durante o exame objetivo e se verificava um aumento, a maioria dos utentes reportou um aumento do consumo de alimentos menos saudáveis e uma diminuição marcada ou ausência de prática de atividade física. O relatório do INSA veio confirmar, onde podemos verificar que 41.8% dos inquiridos referiu ter adotado piores hábitos alimentares, 34.3% referiu ter sido por alterações na frequência das compras (provavelmente pelo receio de se dirigirem a grandes superfícies durante a pandemia) e 18.6% pelo stress vivido durante o confinamento.
A alteração nos hábitos alimentares e o aumento do sedentarismo que se viveu durante esta fase pandémica somaram-se aos desafios já existentes na prevenção e tratamento da obesidade.
O que podemos fazer?
É difícil vencer esta batalha sozinho. A maioria das vezes, durante a consulta, a nossa intervenção é dirigida à criança ou adolescente e à família. No entanto, é necessário um envolvimento da comunidade a este nível para a implementação destas estratégias para o tratamento da obesidade, mas também para a sua prevenção. Só com o envolvimento de todos, desde o interior de casa, à família, à escola, às características do local onde vivemos conseguimos alcançar resultados e travar esta também “pandemia”. Então por onde começar?
- Promover a prática de atividade física, seja desporto escolar, ou atividades em família como caminhadas, descolar-se a pé para a escola ou passear uma animal de estimação. Cada passo conta.
- Promover o momento da refeição com um momento didático e de convívio com o envolvimento de toda a família na confeção dos pratos e nas escolhas alimentares saudáveis.
- Incentivar à aquisição de hábitos alimentares saudáveis desde a introdução alimentar e a toda a família (todos devem comer de forma saudável e não apenas quem tem excesso de peso ou obesidade).
- Ser um bom exemplo, preparar refeições e snacks saudáveis quer para a escola das crianças, quer para o próprio emprego.
- Aliarmo-nos aos recursos existentes. Desde a consulta de Nutrição no Centro de Saúde, às consultas hospitalares e ao conhecimento dos recursos da comunidade onde estamos inseridos (ginásios locais, escolas de dança, piscina municipal, parque desportivo, etc.)
- Prescrever a atividade física e as mudanças alimentares de forma mais sistemática, tal como prescrevemos uma medicação.