A enxaqueca é uma doença altamente debilitante, sendo considerada uma das principais causas de anos vividos com incapacidade à escala global e, principalmente, entre jovens mulheres. Desta forma, o impacto desta na vida dos doentes é transversal a várias esferas, podendo-se observar implicações ao nível da vida profissional, nas relações que a pessoa mantém com outros significativos e a nível psicológico, afetando significativamente a sua perceção de qualidade de vida.
Assim, ao realizar-se um diagnóstico médico de enxaqueca, torna-se essencial complementá-lo com uma avaliação que permita melhor compreender o impacto desta condição na vida dos doentes, benéfico ao permitir:
- Compreender as implicações subjacentes permite aos neurologistas uma melhor e mais adequada adaptação dos planos de tratamento às reais necessidades e incapacidades de cada indivíduo;
- Conhecer os impactos psicológicos da enxaqueca no indivíduo portador permite avaliar a necessidade de encaminhamento para outras especialidades, como a Psicologia ou a Psiquiatria;
- Compreender o modo como a enxaqueca pode sobrecarregar as relações familiares e perturbar a vida familiar é fundamental, pois permite oferecer orientação e apoio não só aos doentes, mas também às suas famílias, ajudando-os a enfrentar os desafios associados.
Para tal, sugerimos o recurso a instrumentos como o questionário IMPAC-P - The Impact of Migraine on Partners and Adolescent Children Scale - desenvolvido por Lipton e colaboradores, em 2017, e validado para a população portuguesa, em 2023, por Sofia Knittel e David Dias Neto que, de forma muito breve e fiável, permite aferir o impacto percebido da enxaqueca no indivíduo portador, bem como na sua família.
Assim, com este instrumento, é possível avaliar as implicações práticas desta doença na capacidade do indivíduo de participar em atividades diárias, como tarefas domésticas, trabalho e compromissos sociais; o impacto nas interações com o/a parceiro/a, focando aspetos como a intimidade, a comunicação e o apoio emocional e, por fim, a influência nas interações com filhos, considerando o cumprimento das responsabilidades parentais, a participação em atividades familiares e o bem-estar emocional dos mesmos.
Salienta-se o valor científico deste questionário que, no estudo realizado, demonstrou ser sensível, válido e fiável na avaliação do impacto desta doença. Ademais, outros resultados relevantes foram encontrados, como o facto de serem as mulheres jovens participantes que mais referem sentir as suas vidas impactadas pela enxaqueca, dada a sua idade (re)produtiva e o facto de, tipicamente, caber mais às mulheres o desempenho de tarefas domésticas e o cuidado dos filhos. Ainda, observámos que um maior impacto familiar percebido leva, de facto, a um declínio na qualidade de vida do doente, atestando as implicações mais abrangentes desta doença.
À luz destas descobertas, torna-se inegável que avaliar o impacto desta condição na vida do doente e da sua família deve ser mais do que uma escolha - deve ser uma necessidade premente.
A enxaqueca não é apenas uma dor de cabeça, tendo repercussões que se estendem por todas as áreas da vida do portador. Para melhor compreendê-las, a escala IMPAC-P revela uma visão abrangente e detalhada desse impacto, permitindo uma abordagem holística e multidisciplinar. Assim, enquanto profissionais na linha da frente do atendimento a doentes com enxaqueca, adotar a escala IMPAC-P como meio de diagnóstico permitirá realizar uma avaliação mais completa e o recurso a intervenções mais eficazes, que podem estender-se a outras áreas, como a Psicologia e a Psiquiatria.