O diagnóstico e os tratamentos do cancro têm sido tradicionalmente baseados na classificação patológica e no órgão de origem. No entanto, a disponibilidade de uma quantidade sem precedentes de dados sobre a biologia molecular desta patologia, combinada com a sequenciação de nova geração e a química combinatória, proporcionou uma oportunidade única para o desenvolvimento de moléculas mais sofisticadas, capazes de atuar em alvos anteriormente considerados inatingíveis, trazendo uma revolução à Oncologia, mas também uma complexidade adicional.
Num cenário cada vez mais similar ao das doenças raras, a personalização do tratamento exige abordagens sofisticadas e multidisciplinares. Em Portugal, aplicar este conceito de Medicina de precisão exige a integração de testes genómicos compreensivos e Molecular Tumor Boards, bem como o investimento em ensaios clínicos de fase precoce, o que tem o potencial de revolucionar os cuidados oncológicos, promovendo mais oportunidades para os nossos doentes.
Os testes genómicos compreensivos permitem identificar mutações acionáveis, orientando potenciais escolhas terapêuticas. Em Portugal, a adoção destes testes enfrenta barreiras como custo e falta de uma infraestrutura e plataforma de testagem homogénea.
É também essencial garantir alternativas terapêuticas aquando da identificação deste tipo de alterações, sendo os ensaios clínicos cruciais nesta esfera. Os ensaios de fase precoce são fundamentais para testar novas terapêuticas, identificar alvos moleculares e avaliar segurança e eficácia antes da expansão à larga escala.
Em doenças oncológicas, onde o tempo é crítico, estes estudos oferecem acesso a tratamentos inovadores, especialmente para doentes sem opções convencionais. Contudo, devido à elevada especialização das equipas e à necessidade de uma infraestrutura hospitalar de apoio robusta, concentram- -se ainda essencialmente em grandes centros urbanos, o que sublinha a necessidade de redes de referenciação.
Os Molecular Tumor Boards (MTB) complementam este ecossistema, reunindo especialistas multidisciplinares para interpretar estes dados complexos e recomendar estratégias personalizadas, na ausência de alternativas convencionais e de ensaios clínicos disponíveis. A implementação de MTB em hospitais portugueses pode otimizar decisões clínicas, mas exige formação contínua e integração com centros de referência. Para que estes recursos beneficiem todos os doentes, é igualmente crucial garantir equidade no acesso.
Disparidades regionais limitam o alcance destas inovações. Estabelecer parcerias entre hospitais, universidades e indústria farmacêutica, criar centros de referência e fortalecer redes de referenciação são passos essenciais. É essencial assegurar que estas intervenções cheguem a todas as regiões, de modo a melhorar os resultados dos doentes e posicionar o país na vanguarda da inovação em Saúde.
Este artigo foi redigido para o Jornal do Congresso.