O cancro da bexiga continua a ser um dos tumores mais subestimados na prática clínica, apesar de ser o 10.º cancro mais frequente no mundo, com uma das maiores taxas de recidiva entre todos os tumores sólidos.
Em Portugal, de acordo com o Registo Oncológico Nacional 2023, diagnosticam-se anualmente cerca de 1 700 novos casos de cancro da bexiga, o que representa o nono tumor mais frequente nos homens e o 15.º nas mulheres. Apesar disso, este continua a ser um dos tumores menos discutidos em contexto clínico e científico, permanecendo à margem de programas estruturados de rastreio, de estratégias terapêuticas integradas e da atenção mediática de outros cancros urológicos.
Num mês que lhe é dedicado, importa perguntar: porque continua o cancro da bexiga a ser diagnosticado tardiamente? Porque falhamos em integrá-lo nas rotinas de vigilância clínica, sobretudo em grupos de risco?
Um perfil de risco que conhecemos…
O tabagismo é, de longe, o principal fator de risco para o cancro da bexiga, sendo responsável por cerca de 50% dos casos em homens e até 35% nas mulheres. A combustão do tabaco liberta carcinogénios que são excretados na urina, expondo diretamente o urotélio vesical a substâncias como as aminas aromáticas e os hidrocarbonetos policíclicos.
Atraso diagnóstico e impacto na sobrevivência
Estudos nacionais mostram que mais de 70% dos casos de cancro da bexiga se manifestam inicialmente com hematúria — geralmente indolor, episódica, facilmente descartada. No entanto, em Portugal, a taxa de referenciação direta para cistoscopia continua abaixo do recomendado, especialmente em cuidados de saúde primários, onde a ecografia abdominal é muitas vezes usada como exame de primeira linha, com sensibilidade limitada para lesões vesicais.
Num país com um sistema de saúde público robusto e acesso razoável a tecnologia diagnóstica, esta falha no percurso diagnóstico traduz-se em consequências objetivas: cerca de 50% dos doentes são diagnosticados em estadio músculo-invasivo ou metastático, onde as opções terapêuticas curativas são reduzidas e os custos humanos e económicos aumentam exponencialmente. Em casos metastáticos, a mediana de sobrevivência ronda ainda os 12 a 18 meses, apesar dos avanços terapêuticos.
Novas opções, velhos desafios
A última década trouxe inovação, mas estas abordagens continuam reservadas a uma minoria — aquela que sobrevive o suficiente para as receber.
Portugal acompanha e temos já disponíveis inibidores de checkpoint imunitário aprovados para a doença metastática, em manutenção pós-quimioterapia e em segunda linha, bem como opções mais recentes como enfortumabe vedotina.
No entanto, menos de 30% dos doentes metastáticos são candidatos ou chegam em tempo útil para beneficiar destas terapias.
Além disso, a testagem de alterações no gene FGFR ainda não é sistemática, mesmo em contextos com indicação formal, como carcinomas uroteliais com padrão papilar.
Mas não basta inovação. É preciso reorganizar a via clínica, integrando alertas eletrónicos para hematúria em adultos fumadores, protocolos de referenciação precoce, e programas de educação médica contínua para aumentar a literacia entre clínicos não especialistas.
A urgência de falar (mais) sobre o cancro da bexiga
Um mês para refletir — e agir
O Mês de Sensibilização para o Cancro da Bexiga é uma oportunidade para reforçarmos a atenção clínica a este tumor complexo e exigente, tanto na prática como na investigação.
Não se trata apenas de informar a população, mas de promover melhoria contínua na forma como o diagnosticamos, tratamos e acompanhamos estes doentes.
O cancro da bexiga não é um tumor silencioso — manifesta-se, alerta-nos, recidiva. Talvez o verdadeiro desafio esteja em afinar a atenção para a clínica, reorganizar percursos de cuidados e fomentar maior integração entre especialidades.