Perspetivar o futuro próximo da Oncologia

Redação News Farma
25/09/14
joaquim 5799bUma relação de proximidade e reciprocidade é a ligação que se tem estabelecido entre European Society for Medical Oncology (ESMO) e a Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO). Este ano, pela primeira vez, as duas sociedades contam com a presença e retribuição mútua na realização dos respetivos congressos. Em entrevista à News Farma, o Dr. Joaquim Abreu de Sousa, presidente da SPO, revela de que forma será posta em prática esta parceria já no 13.º Congresso Nacional de Oncologia, que terá o patrocínio científico da ESMO.


Questões transversais à Oncologia nacional e europeia são, igualmente, comentadas pelo presidente da SPO que afirma a necessidade de reunir toda a comunidade oncológica no esforço comum de continuar prestar cuidados de saúde de qualidade numa era de austeridade, sob novas perspetivas e criar valor.


News Farma| Como se tem desenvolvido a relação entre a SPO e a ESMO nos últimos tempos?
Joaquim Abreu de Sousa| É uma relação de colaboração mútua, que muito nos honra. Prova disso é que este ano, pela primeira vez, a ESMO não só vai dar patrocínio científico ao Congresso da SPO, como também vai estar presente através da organização de uma sessão científica e vai ter o seu stand no Congresso. Ao longo destes últimos anos a ESMO e a SPO têm vindo a aproximar-se em vários planos, com particular destaque para as ações de formação e educação médica contínua dirigidas dos jovens oncologistas. O facto de um dos elementos da direção da SPO, o Dr. Paulo Cortes, fazer parte do painel de representantes nacionais da ESMO, obviamente transforma as coisas e o esforço levado a cabo pelo Dr. Paulo Cortes para desenvolver a colaboração entre as duas sociedades é absolutamente meritório e constitui um bom exemplo de como as pessoas podem contribuir para enriquecer a Oncologia nacional.


News Farma| Existem projetos em comum ou protocolos de cooperação futura, não só em relação à ESMO, mas também da SPO com outras sociedades congéneres?
JAS| Sim, a SPO ao longo destes anos tem-se aproximado das sociedades congéneres, principalmente da ESMO, mas temos também colaborado com a Sociedade Espanhola de Oncologia Médica (SEOM) e com a Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), com a qual realizamos em 2013 o 1º Congresso Luso-Brasileiro de Oncologia, em Fortaleza.
O atual presidente da SBOC, o Doutor Evanius Wiermann, vai estar presente no nosso Congresso com uma conferência sobre o estado de Oncologia no Brasil. Esta sessão será seguida pela sessão da ESMO, em que o Dr. Peter Boyle, ex-diretor da IARC e o Dr. Alexandru Eniu, membro da comissão executiva da ESMO, terão uma intervenção sobre o presente e futuro da Oncologia na Europa.
Penso que será muito interessante a comparação das diferentes realidades e perspetivas da Oncologia praticada de um e outro lado do Atlântico, e simultaneamente perceber como nos situamos no contexto da Oncologia europeia, sobretudo com a intervenção do Dr. Peter Boyle, com a sua conferência sobre a epidemiologia do cancro e assimetrias no tratamento do cancro na Europa.


News Farma| Pensa que a sessão do Prof. Peter Boyle irá corroborar as ideias estabelecidas sobre as diferenças entre a Europa do Sul e da Europa do Norte? Ou pelo contrário, vamos ter surpresas em relação ao nosso posicionamento no tratamento do cancro?
JAS| Penso que não vamos ter surpresas, ao constatar que os resultados do tratamento do cancro são diretamente proporcionais ao investimento dos diferentes países no tratamento da doença. Assim, os países mais ricos da Europa serão, como esperado, os que apresentam os melhores resultados, em contraposição aos países com menos recursos. O que seguramente será surpreendente para muitos, é que alguns países como Portugal, com a escassez de recursos de que dispõe apresenta resultados no tratamento do cancro equivalentes, em alguns casos, aos países mais ricos da Europa.


News Farma| "Medicina de Precisão no Tratamento do Cancro" é mote do Congresso da ESMO, uma prática de medicina em Oncologia que, nas palavras do presidente do Congresso da ESMO, Prof. Doutor Rolf Stahel, deixou de ser uma ideia distante para fazer parte de um futuro cada vez mais próximo. Que comentário faz a esta visão?
JAS| O conceito de Medicina de Precisão está baseado na observação de que doentes com o mesmo diagnóstico podem reagir ao mesmo tratamento de formas diferentes. Um fármaco pode ser altamente eficaz para um doente e não demonstrar os resultados desejados quando administrado a um segundo doente com o mesmo diagnóstico. O desafio da Medicina de Precisão consiste na mudança de uma abordagem de uma medicina de tamanho único para uma abordagem personalizada, com recurso a um conjunto de ferramentas de estratificação que tem em conta inúmeros fatores que podem influenciar o desenvolvimento da doença num determinado indivíduo, incluindo não só genómica e fatores biológicos, mas também as influencias do ambiente e do estilo de vida. Esta abordagem personalizada, assenta no maior conhecimento dos mecanismos da doença com auxílio de testes de diagnóstico específicos que permitem uma seleção mais precisa do tipo de tratamento. E isto, de facto, não é o futuro, já é o presente.


News Farma| Para além de ser um desafio científico e médico, há uma preocupação transversal à medicina, nomeadamente à Oncologia, pelo peso que estes novos tratamentos têm em questões políticas e financeiras. Tanto no programa do Congresso da ESMO, como no Congresso da SPO, este é um tema de grande relevância. No fundo estamos perante a aplicação de um novo paradigma e como será posto em prática.
JAS| É comum dizer-se que a medicina personalizada colocará em grande tensão os sistemas de saúde, porque coloca uma grande enfâse nos testes diagnósticos e isso acarretará um aumento dos custos. Por outro lado, alguns medicamentos considerados inadequados para grandes grupos não estratificados, podem vir a ser eficazes para subgrupos definidos, o que também pode contribuir para aumentar o custo. Mas, por outro lado, é necessário passar das simples medidas de resultado, baseadas na redução de sintomas ou em dados de sobrevivência e passar a incluir na avaliação económica aspetos mais abrangentes, como a qualidade de vida, a produtividade e os custos indiretos, como hospitalização ou tratamento de doença avançada. A esperança é que tais custos sejam compensados por reduções a longo prazo na despesa através da prevenção eficaz ou da intervenção precoce, particularmente em doenças crónicas como o cancro.


News Farma| Isso significa que há necessidade de perspetivar o futuro da Oncologia com uma outra visão?
JAS| Quando falamos de novas terapêuticas e da forma como estas se vão financiar, não devemos ter sempre uma atitude cética relativamente à introdução de novas tecnologias ou tratamentos porque isso nem sempre está associado a um aumento global dos custos.
A Medicina Personalizada tem potencial para aumentar a despesa se não for gerida de forma eficaz, mas se tivermos uma visão mais abrangente até podemos chegar à conclusão inversa, isto é, poderemos ter uma redução global de custos, porque aumentámos a sobrevivência das pessoas em idade produtiva e contribuímos para a melhoria do estado de saúde da população.
A dúvida para as entidades reguladoras é se essa despesa a curto prazo vai oferecer benefícios tangíveis a curto prazo. A maioria dos resultados destas novas terapêuticas deve ser vista numa perspetiva a longo prazo, com melhoria do estado de saúde da população e da qualidade de vida.
No caso concreto da Oncologia, o rápido aumento dos custos poderá estar mais relacionado com os testes diagnósticos e de imagem do que propriamente com o custo do tratamento com medicamentos. Esses custos estão relacionados com a forma como tratamos os doentes com cancro, que pode ser significativamente mais onerosa que no passado, porque atualmente a maioria dos doentes são tratados com algoritmos de tratamento muito complexos, que envolvem muitos recursos ao nível do diagnóstico, do tratamento e do seguimento destes doentes. Uma questão essencial na Medicina Personalizada é se os sistemas de financiamento devem ser desenvolvidos para suportar estratégias de prevenção e tratamento precoce, tendo em conta não só as reduções de custos com hospitalização ou tratamento do cancro avançado, mas também custos indiretos como produtividade, pensões de invalidez etc.


News Farma| No Congresso da Oncologia europeia, três especialistas nacionais - Dr.ª Fátima Cardoso, a Prof.ª Doutora Fátima Carneiro e a Prof.ª Doutora Sofia Braga - integram o painel de sessões científicas. Como avalia a participação portuguesa na ESMO?
JAS| É sempre um motivo de satisfação ver colegas do nosso país ocupar lugares de destaque em reuniões científicas internacionais. Fico muito orgulhoso que as minhas colegas nos representem na ESMO, porque todas elas têm mérito e qualificação científica para isso. Só lamento que a nossa participação não seja ainda mais alargada nas reuniões internacionais, porque Portugal dispõe de um conjunto de profissionais na área da Oncologia de grande qualidade técnica e científica.


News Farma| A Oncologia portuguesa ainda está em fase de crescimento?
JAS| A Oncologia que se pratica em Portugal já passou a fase da "infância". Hoje em dia dispomos de uma Oncologia madura exercida por profissionais formados com programas de treino bem estruturados que os colocam ao nível dos melhores da Europa. Aliás, basta ver que um grande número de profissionais de Oncologia formados em hospitais portugueses não tem dificuldade em encontrar trabalho fora do país e que são, habitualmente, profissionais muito cotados em hospitais estrangeiros.


News Farma| Relativamente à atividade da SPO, sendo este o seu 13.º Congresso, suponho que seja um evento bastante ambicionado e ambicioso. Quer partilhar as linhas mestras do programa e respetivas sessões deste Congresso, que tem como tema "Perspetiva Multidisciplinar e Multiprofissional da Oncologia"?
JAS| Vivemos num momento em que a Medicina sofre um processo de superespecialização. A Oncologia não é exceção e é frequente ver cada vez mais reuniões científicas dedicadas ao estudo e ao tratamento de tumores de um determinado órgão. Os oncologistas de uma determinada área de especialização têm as suas próprias reuniões científicas e congressos quer a nível nacional, quer a nível internacional. Neste contexto, o âmbito do Congresso Nacional de Oncologia é mais abrangente e não pretende, obviamente, substituir estas reuniões científicas. O Congresso Nacional de Oncologia deverá ter outra missão e outra amplitude. Pretendemos que este seja o Congresso de toda uma comunidade profissional, que inclui os médicos, os enfermeiros, os psicólogos, os técnicos de saúde, os administradores hospitalares, os farmacêuticos hospitalares, os gestores, os políticos de saúde, a indústria farmacêutica e de equipamentos médicos, ou seja, todo o conjunto de profissionais que constituem a comunidade oncológica portuguesa.
O tema do Congresso é a perspetiva multidisciplinar e multiprofissional da Oncologia e seu objetivo é a promoção da multidisciplinaridade como a pedra angular da eficiência na prática da Oncologia. A melhoria global da qualidade dos cuidados prestados e dos resultados obtidos só é possível com a participação de todos os grupos profissionais. Só conseguiremos progredir quando os avanços no conhecimento e adoção das melhores práticas ocorrerem em simultâneo em todas as camadas de uma comunidade.


News Farma| Qual é a sua expectativa quanto à recetividade da comunidade oncológica a esta edição Congresso da SPO?
JAS| A Sociedade Portuguesa de Oncologia conta com cerca de 400 sócios. Gostávamos de ultrapassar largamente esse número, já que a ideia da direção da SPO não é ter uma reunião dirigida apenas aos seus sócios, mas sim a todos os profissionais que se dedicam à Oncologia. No Congresso participarão, para além dos clínicos das diferentes especialidades da Oncologia, os investigadores, os patologistas, os radiologistas, os enfermeiros, os administradores hospitalares, os farmacêuticos hospitalares etc. Esperamos portanto contar com um número de participantes claramente superior ao número de sócios da SPO.


News Farma| De que forma o Congresso Nacional de Oncologia foi pensado de forma a abranger os interesses da toda a comunidade oncológica?
JAS| O programa do Congresso foi desenhado de forma a poder incluir todos os grupos de estudos e sociedades científicas dedicados ao tratamento do cancro em Portugal e convidá-los a organizar a sua própria sessão científica. O restante programa científico teve como principal preocupação incluir tópicos transversais a todas as especialidades, que fossem interessantes para a maioria dos profissionais da Oncologia, independentemente da sua área de especialização.
Procurámos elaborar um programa que fosse o mais atrativo possível para não deixar indiferente a comunidade oncológica portuguesa e dessa forma concretizar aquele que é o nosso objetivo, que este seja um Congresso que acrescente valor, em termos de discussão e partilha de ideias e contribua para a disseminação de boas práticas no tratamento do cancro.
Os trabalhos desenvolvidos pelos jovens especialistas, os últimos avanços da investigação e os trabalhos com potencial para mudar a prática clínica, constituem com frequência matéria de discussão estimulante e com importância científica relevante, pelo que as sessões de comunicações livres terão um lugar de destaque no programa do Congresso. Para além das sessões das diferentes sociedades científicas, teremos a conferência inaugural proferida pelo Prof. Sobrinho Simões, mesas-redondas, simpósios científicos, debates, fóruns de discussão e várias sessões educacionais. Destacaria a sessão da ASPIC, organizada pela Profª. Leonor David, que contará com a presença do Prof. UlriK Ringborg, diretor do Karolinska Cancer Center, e a sessão da Sociedade Portuguesa de Administradores Hospitalares, que abordará questões como o financiamento da Oncologia e a importância da gestão hospitalar em Oncologia. Serão ainda abordados temas como o futuro da Oncologia em Portugal, com uma conferência sobre a economia do cancro, proferida pelo Prof. Pedro Pita Barros, o acesso à inovação biofarmacêutica, pelo Presidente do INFARMED, Dr. Eurico Castro Alves, e ainda uma conferência do Dr. Jorge Penedo sobre o modelo de centros de referência em Portugal. Teremos ainda a participação do Prof. Nadim Habib, CEO da Nova SBE Executive Education, a quem lançamos o desafio de nos explicar como comunicar em saúde, com todas as inseguranças em relação ao futuro e transmitir uma imagem de confiança à sociedade. Por último destacaria um debate que nos ajudará a perspetivar o futuro próximo, apesar da crise económico-financeira em que estamos inseridos, subordinado ao tema de como prestar cuidados de saúde de qualidade numa era de austeridade e que terá como intervenientes personalidades destacadas que abordarão as diferentes perspetivas do problema, a saber, a perspetiva do Clínico, a do Gestor Hospitalar, a da Indústria, a da Tutela e a do Cidadão.


News Farma| Em termos de gestão de recursos em saúde, o que aprendemos com esta situação de austeridade?
JAS| As crises económicas têm sempre um lado positivo, já que obrigam as empresas, as organizações, as administrações e os governos a eliminarem o desperdício e serem mais eficientes. Em Portugal, apesar dispormos de indicadores no tratamento no cancro bastante positivos, mesmo com os escassos recursos de que dispomos, há margem para melhorar, sobretudo ao nível da eficiência das instituições hospitalares, concretamente na redução do desperdício e da futilidade, que é uma área onde se pode reduzir muito a despesa.


News Farma| Vamos, portanto, aprender bem a lição.
JAS| Com o cuidado que houve no desenho do programa, na seleção dos conteúdos, na escolha de intervenientes de reconhecido mérito, esperamos que a participação no Congresso constitua um momento importante para os profissionais de Oncologia fortalecerem as suas relações, partilharem as suas experiências, atualizarem os seus conhecimentos e, sobretudo, consolidarem uma comunidade científica cujo objetivo último é garantir que os doentes com cancro possam beneficiar da melhor qualidade de tratamento.

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