Infeção pelo Clostridium difficile: o que há de novo?
Redação News Farma
07/10/14
Desde longa data que se sabe que a infeção por Clostridium difficile é a causa mais comum de diarreia associada aos cuidados de saúde, que o seu aparecimento está associado ao consumo de antimicrobianos, principalmente a clindamicina, cefalosporinas de 3.ª G, e fluoroquinolonas, e que pode dar origem a surtos em algumas unidades de prestação de cuidados de saúde (hospitais, lares etc), explica a especialista.
O interesse crescente por esta síndroma advém do facto de a sua incidência ter vindo a aumentar nos hospitais e na comunidade e da maior gravidade que apresenta, nomeadamente ser refratária ao tratamento e evidenciar uma maior probabilidade de recidivas.
Embora a infeção por Clostridium difficile (CDI) esteja tradicionalmente relacionada à existência de fatores de risco (idade > 65 anos, internamento prolongado, uso de terapêutica antimicrobiana, entre outros), têm sido reportados casos cada vez mais frequentes, adquiridos na comunidade por doentes sem fatores de risco conhecidos, como grávidas, crianças e jovens saudáveis, que apresentam quadros de maior gravidade e uma morbilidade e mortalidade elevadas.
Não há dúvida de que nos últimos 10 anos a epidemiologia modificou-se, sendo atualmente mais complexa, com a circulação de vários ribotipos que apresentam grau de virulência, resistência aos antimicrobianos e capacidade de esporular distintas", destaca a Prof.ª Doutora Helena Ramos.
Mundialmente, 25% da CDI foi adquirida na comunidade e pensa-se que tenha sido através da ingestão de alimentos. Vários estudos revelaram a existência do Clostridium difficile em amostras de peixe, marisco e carne (vaca, porco, peru e frango). No entanto, ainda não foi comprovada a verdadeira cadeia de transmissão.
Portugal: escassez de dados epidemiológicos
Em Portugal, os dados epidemiológicos disponíveis são limitados. No entanto, alguns trabalhos publicados referem um aumento significativo da incidência 15 casos/10.000 internamentos em 2007, assim como a ocorrência de surtos em duas unidades hospitalares pelo ribotipo 027.
Em 2013, Portugal participou no estudo multicêntrico europeu de prevalência da CDI em doentes hospitalizados – EUCLID – que, apesar de não ser mais do que uma imagem tirada em dois momentos distintos, mostrou resultados interessantes. O estudo revelou um aumento da incidência em vários países da Europa, com uma média de 7,9 casos por cada 10.000 internamentos (em Portugal situou-se em 2,9 casos/10.000).
Este aumento, prossegue, pode estar relacionado com uma melhoria dos métodos laboratoriais de diagnóstico e com uma maior sensibilização dos clínicos para a ocorrência desta síndroma. Todavia, não se pode esquecer, também, a utilização exagerada de antimicrobianos e o tipo de doentes que recorre com mais frequência às instituições de saúde, (idosos, patologias crónicas, imunodeprimidos, etc), assim como a carência de recursos humanos ao nível dos prestadores de cuidados de saúde, o que pode facilitar a transmissão e a disseminação dos esporos.
Acresce que o mesmo estudo chegou ainda a outras conclusões importantes:
• Elevado número de casos não diagnosticados devido a ausência de suspeita clínica (subdiagnóstico) ou por utilização de métodos de diagnóstico não adequados (diagnóstico errado)
• Grande diversidade de métodos utilizados nos vários hospitais
• Apenas 27 por cento dos hospitais utilizavam um algoritmo de diagnóstico para a CDI
• 50 por cento dos hospitais só efetuavam os testes de diagnóstico mediante a solicitação dos clínicos
• O ribotipo 027 é o mais frequente na Europa
Evolução do diagnóstico laboratorial
Em termos de diagnóstico laboratorial, verificou-se, também, uma grande evolução com a disponibilização de métodos de resposta rápida para a deteção da toxina (testes imunoenzimáticos – EIA) e métodos para a pesquisa de antigénio desidrogenase do glutamato (GDH).
"Estes vieram colmatar a lacuna dos métodos considerados de referência (testes de citotoxicidade e cultura toxigénica), que eram complexos e demorados, o que impedia a sua utilização nos laboratórios de microbiologia clínica. No entanto, a sensibilidade (40-98 por cento) e a especificidade (85-100 por cento) destes métodos é variável consoante a metodologia utilizada, ocorrendo resultados falsos positivos e falsos negativos", refere a Prof.ª Doutora Helena Ramos.
Recentemente surgiram os métodos moleculares (NAAT) de amplificação para a deteção de gene das toxinas. Estão disponíveis várias metodologias, que apresentam níveis de performance diferentes. O grande senão é que estas metodologias não distinguem doentes infetados de doentes colonizados. Perante o exposto, salienta, é aconselhada a utilização de algoritmo de diagnóstico pelo menos com duas etapas.
A utilização por rotina de biomarcadores como a lactoferrina e a calprotectina como método de screening da CDI, não é recomendada, apesar de vários estudos terem demonstrado a existência de valores elevados destes biomarcadores nestes doentes.
Já o doseamento de citoquinas (IL1βe IL-8) nas fezes, parece ter algum interesse, não só para distinguir se um resultado positivo por NAAT está associado a doença ou a uma simples colonização, mas principalmente por poder ser utilizado na monitorização do tratamento e no estadiamento da gravidade da infeção, adianta a Prof.ª Doutora Helena Ramos.
Tipagem molecular das estirpes
Entretanto, é cada vez mais discutida a utilidade dos métodos de tipagem molecular das estirpes, não só tendo em vista um conhecimento da prevalência dos ribotipos circulantes e da sua evolução para fins epidemiológicos, mas também a sua utilização para outros fins como: prever a doença recorrente (alguns ribotipos estão mais correlacionados com o seu aparecimento); decisão de utilização das novas terapêuticas como fidaxomicina ou não; e nos doentes com doença recorrente para distinguir a presença de recorrência pela estirpe original ou de uma reinfeção com uma nova estirpe do ambiente.
Exames Complementares e Tratamento
Outra novidade relaciona-se com a utilização correta dos meios de diagnóstico, isto é quando solicitá-los, e com o tratamento. Várias organizações (SHEA/IDSA, ESCMID) elaboraram orientações a esse respeito. Existe, inclusivamente, uma lista de doentes a quem o diagnóstico de CDI deve ser considerado, sendo recomendada a realização dos testes a qualquer doente que esteja hospitalizado ou que tenha, num período de 24h, mais de três dejeções diarreicas. No entanto, é recomendado que no laboratório exista um protocolo para rejeição de amostras não adequadas.
Por outro lado, não deve ser efetuada repetição de pedidos, com exceção de uma situação de surto. "Após um resultado negativo, não se justifica novo pedido num período de sete dias. O exame não deve ser solicitado a doentes assintomáticos, nem devem ser pedidos testes de cura", afirma a especialista, recordando que existem também recomendações especiais para crianças, doentes oncológicos, doentes com transplantes de órgão sólido e doentes com doença intestinal inflamatória.
Em relação ao tratamento, prossegue, é defendida a utilização de protocolos de tratamento diferentes consoante a gravidade do quadro clínico, primeira recorrência, recorrências múltiplas ou contra-indicação para o tratamento oral.
E finaliza dizendo: "uma vez que estamos a falar de um microrganismo que se transmite com enorme facilidade, quer no ambiente onde se prestam cuidados de saúde quer no domicílio, é fundamental prevenir a sua transmissão. Tal é possível através do cumprimento das recomendações preconizadas pelas comissões de controlo de infeção de cada instituição, com particular relevo para a higiene das mãos dos prestadores de cuidados (profissionais de saúde, familiares, etc) e do ambiente circundante.
Artigo publicado na revista SIDA, N.º 11, setembro/outubro 2014