Associação SOL: preparar para a vida, preparar para o trabalho
Redação News Farma
08/10/14
Marta Garcia começou a trabalhar em regime de part-time, num restaurante na cidade de Lisboa. Em simultâneo, prossegue a aprendizagem num curso profissional de restauração. Esta jovem de 19 anos conseguiu o que muitos jovens na sua condição temem. Ouvir um "não" a uma oportunidade de emprego por serem seropositivos.
"Temos a consciência que com ao sermos portadores do VIH vamos ter dificuldade em arranjar emprego futuramente. Esta foi uma oportunidade que surgiu e aproveitei. Agora vou ganhar experiência, que pode ser útil para novos desafios profissionais", diz Marta Garcia, que habita na Casa Sol desde os 6 meses de idade. O percurso nesta instituição ajudou-a a encarar a doença transmitida durante a gestação com naturalidade e, por conseguinte, não deixar espaço para preconceitos.
"Nunca me senti diferente e sempre soube falar sobre a minha doença e esclarecer quem tivesse dúvidas. Já não escondia na escola e agora no trabalho todos sabem que sou seropositiva. Também contei ao meu namorado, que conheci nas aulas de canto. Fez-me algumas perguntas, respondi, ficou esclarecido, aceitou e atualmente vem à Casa Sol e convive connosco", conta Marta Garcia. "Sei que vou ter mais dificuldades do que as outras pessoas no mercado de trabalho. Hoje em dia, é difícil ingressar no mercado de trabalho e para nós ainda mais", admite esta jovem, ainda assim confiante.
Manuel Gonçalves tem 18 anos, mora nesta instituição desde os 9 meses e, ao contrário de Marta, ainda não teve contacto com o mundo laboral. É estudante do 11.º ano, na área de Humanidades, e mais um dos casos de transmissão vertical. Habituado a lidar com a doença desde tenra idade, explica que foi crescendo e percebendo o que é o VIH e a SIDA.
"Desde pequenos que a Tia Teresinha fala connosco e nos indica que cuidados devemos ter e como devemos agir se ocorrer um acidente e sangrarmos. Depois transmitimos essa informação às pessoas com quem convivemos", comenta este jovem que gostaria de ser futebolista. "Percebi que não conseguia dedicar-me ao futebol, por ser um desporto de contacto, por isso tive de optar por outra área. Pensei em seguir jornalismo desportivo, para não ficar afastado da área de que tanto gosto", acrescenta e confessa ter "pensamento positivo e não pensar em eventuais entraves causados pelo preconceito quando um dia tiver o primeiro emprego". É a situação económica do País que mais o assusta e não a discriminação de que aliás nunca foi alvo.
"Tenho as mesmas capacidades e condições das outras pessoas e, por isso, sinto que posso ter as mesmas oportunidades", afirma este jovem que juntamente com a Marta e a Carolina inaugurou a Casa Sol.
O futuro das crianças é uma preocupação
O futuro das crianças e jovens que vivem na Casa Sol, cedida pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e inaugurada no dia 2 de setembro de 1998, é uma das grandes preocupações da Associação Sol, fundada por Teresa d'Almeida em 1992, em especial a entrada no mercado de trabalho. Por este motivo, a instituição promoveu o colóquio "Futuro condicionado: profissões vedadas aos seropositivos", onde foram abordadas diversas questões relacionadas com este assunto.
Teresa d'Almeida, presidente e fundadora da Associação Sol, garante que a preparação para a atividade profissional começa a ser feita a partir do momento em que as crianças chegam à Casa Sol. "O trabalho insere-se na vida, pelo que fazemos com que a preparação deles seja para a vida no geral. Em primeiro lugar, passa por assumirem com toda a simplicidade a doença para a qual não contribuíram, não terem vergonha, não culpabilizarem ninguém por serem seropositivas e não transmitirem", indica a responsável pela instituição, sublinhando que esta preparação é feita com o auxílio dos 18 funcionários da Associação, mas também pela equipa composta por pedopsiquiatras e psicólogas, chefiada pela Prof.ª Doutora Luisa Vicente.
"Estes jovens estão muito preparados para a vida, logo para o trabalho", frisa a presidente desta instituição. Ressalva, porém, que "têm de ser sensibilizados para as dificuldades que encontram ao tentar ingressar no mercado, até porque existem áreas em que há muitos preconceitos, como aquelas que estão ligadas à restauração. Por um lado, têm de perceber que o diagnóstico pode ser impeditivo para o desempenho de algumas profissões e, nesse caso, devem ter a consciência de desistir para não prejudicarem terceiros. Por outro, se virem o acesso barrado injustamente, têm de lutar e vincar que têm direito ao trabalho".
Quando a Casa Sol foi construída tinha capacidade para 11 crianças, chegou a acolher 25 e hoje habitam neste espaço 14 crianças e jovens. Todos os habitantes são para aqui enviados por ordem dos tribunais ou da Segurança Social, fazem a sua vida normal, como se de uma casa de família estruturada se tratasse, e a forma como se referem à fundadora - "Tia Teresinha" - não deixa margem para dúvidas que muitas regras são diferentes das de algumas instituições. Para além da forma do trato dos perceptores ("tia" e "tio"), outra das diferenças reside no facto de não haver limite de idade para saírem da Casa. A Marta e o Manuel, por exemplo, já atingiram a maioridade mas só vão deixar estas instalações quando tiverem capacidade para se sustentarem sozinhos e, acima de tudo, quando se sentirem autónomos.
Do ponto de vista médico, Teresa d'Almeida indica que estas crianças "têm a carga viral indetetável e os próprios médicos referem que nunca tiveram um grupo tão grande de crianças com uma carga viral indetetável durante tanto tempo, mesmo oriundo de famílias estruturadas. A evolução científica veio permitir que hoje em dia não haja certos problemas, tanto ao nível da doença como dos medicamentos. Por exemplo, a toma da medicação era mais complicada e feita com maior frequência. Atualmente têm 3 tomas no máximo". Não hesita também em frisar que o estado clínico das crianças vem contrariar o que algumas ex-funcionárias falaram em público há 4 anos. "É sinal que nunca foram maltratados, tomam os medicamentos a tempo e horas e vão às consultas médicas", afirma.
Associação Sol poderá ter os dias contados
Teresa d'Almeida estava de férias nos EUA quando os casos de pessoas infetadas pelo VIH se tornaram públicos. Nas suas palavras, "pensei que se existiam adultos, iriam aparecer crianças infetadas com o vírus da SIDA e também pensei na forma como gostaria que tratassem os meus filhos se eu morresse e tivessem de ser enviados para uma instituição". Em 1992, criou a associação que idealizou.
"Desenvolvemos um trabalho, com amor e sensibilidade, que se calhar falta em muitas famílias. Para além das crianças que vivem na Casa Sol, já tivemos um centro de dia e acompanhamos várias em casa e, infelizmente, também a Associação poderá acabar e a Casa fechar portas", avança Teresa d'Almeida.
"Temos a conta bancária praticamente a zero, não recebemos donativos e apenas contamos com poucas ajudas, como a do Dr. Jorge Rebelo d'Almeida, presidente da administração do Vila Galé, que oferece as refeições e a da Jerónimo Martins", diz a fundadora da Associação Sol, que atribui a falta de apoios às acusações das funcionárias a quem não renovou o contrato de trabalho e garante que "já ficou provado que o que diziam não era verdade".
"Não sei por mais quanto tempo a Associação Sol vai continuar. A prova do nosso sucesso reside nas próprias crianças, que serão as principais prejudicadas e cujo futuro deveria ser continuarem na Casa Sol, com uma vida sossegada", desabafa a responsável pela instituição.
Artigo publicado na revista SIDA, N.º 11, setembro/outubro 2014