O Dr. Sérgio Barroso comenta avanços em Oncologia

Dr. Sérgio Barroso
21/10/14
Dr. Sérgio BarrosoEm ano de comemoração dos 10 anos do Congresso Nacional do Cancro Digestivo, o Dr. Sérgio Barroso aponta a melhoria da organização dos serviços e o aparecimento de novas ferramentas terapêuticas como principais responsáveis pelo aumento da sobrevivência e da qualidade de vida dos doentes oncológicos.

Em entrevista à Newsfarma, o diretor do Serviço de Oncologia do Hospital do Espírito Santo, em Évora, e atual presidente do Grupo de Investigação do Cancro Digestivo (GICD) salienta a necessidade de fomentar a investigação clínica em Portugal e reforça a importância da formação contínua dos profissionais.

News Farma - Nestes últimos 10 anos, quais foram os principais marcos em termos diagnósticos e terapêuticos no contexto do cancro digestivo?

Sérgio Barroso -
Nos últimos 10 anos tem havido múltiplas inovações na área do cancro digestivo. No nosso País, diria que a maior inovação ocorreu do ponto de vista da organização. Temos conseguido uma abordagem ao cancro digestivo por equipas multidisciplinares, com o envolvimento dos vários profissionais de saúde das diferentes especialidades ligados a esta área, como sejam a Cirurgia, a Radioterapia, a Oncologia Médica, a Anatomia Patológica, a Gastrenterologia, a Imagiologia, entre outras, garantindo a cada doente a melhor estratégia de tratamento. Esta abordagem multidisciplinar reflete-se, obviamente, numa melhoria dos cuidados prestados aos doentes.

NF - E em termos terapêuticos?

SB -
Nos últimos anos têm sido também desenvolvidas novas estratégias terapêuticas que contribuíram para aumentar a sobrevivência dos doentes com cancro digestivo. De salientar os avanços significativos no que diz respeito aos cancros do cólon, do pâncreas, e do estômago, que têm permitido uma melhoria considerável na sobrevivência e na qualidade de vida destes doentes. Por exemplo, no cancro do cólon, a sobrevivência ultrapassa, neste momento, os 30 meses em doentes com doença avançada à data de diagnóstico, enquanto há pouco mais de 10 anos a sobrevivência media destes doentes não ultrapassava os seis meses.

Nos últimos anos tem havido grandes avanços com algumas estratégias cirúrgicas e técnicas de radioterapia, mas também, e sobretudo, com novos medicamentos.

No caso do cancro do cólon, o mais frequente e com avanços mais notórios, foram desenvolvidos vários medicamentos na área da quimioterapia, mas sobretudo novos medicamentos muito úteis com novos mecanismos de ação, como é o caso dos anti-angiogénicos - bevacizumab e dos inibidores do EGFR como o caso do cetuximab e panitumumab que, quando utilizados em associação com a quimioterapia, aumentam significativamente a sobrevivência dos doentes e fazem parte da nossa prática clínica diária.

Mais recentemente, surgiram outros medicamentos que atuam especificamente No interior da célula tumoral, nomeadamente alguns inibidores da tirosina-cinase como é o caso do regorafenib e outros anti-angiogénicos como o aflibercept, que têm vindo a demonstrar eficácia significativa nos doentes com cancro do cólon, são prometedores e estão em fase de aprovação, além de um conjunto de outros fármacos em desenvolvimento que se espera venham a integrar a nossa prática clínica nos próximos anos.

Um outro avanço, que não queria deixar de referir, prende-se com os doentes com metástases hepáticas. Até há alguns anos, estes doentes faziam apenas quimioterapia e só muito excecionalmente eram operados. Hoje em dia, cerca de 20% dos doentes que têm doença no fígado são submetidos também a cirurgia, o que se traduz num aumento muito importante da sobrevivência, com mais de 50% dos doentes vivos ao fim de cinco anos e cerca de 20% vivos aos 10 anos.

Mais uma vez, os ganhos em sobrevivência são conseguidos, por um lado, em resultado de uma avaliação por equipas multidisciplinares e, por outro lado, através da utilização destas novas terapêuticas em alguns doentes, que permitem reduzir o tumor até ser possível operá-lo.

A área do cancro do pâncreas, um tumor habitualmente difícil de tratar, assistiu também nos últimos anos, a algumas novidades importantes. Dispomos agora de melhores técnicas de diagnóstico, de cirurgia e de radioterapia além de novos regimes de quimioterapia com aumentos significativos na sobrevivência como é o caso do NabPaclitaxel em associação com gemcitabina, com taxas de sobrevivência de 35% a 1 ano e 8,7 meses de sobrevivência mediana e com bom perfil de segurança e do Folfirinox com 11,1 meses de sobrevivência mediana, mas com um perfil de segurança um pouco menos favorável.

NF - Com base nesses avanços e no acompanhamento individualizado dos doentes, inclusive com a identificação de biomarcadores, acha que há lugar para a chamada Oncologia Personalizada?

SB -
Exatamente, esse é um aspeto muito crítico neste momento, em resultado de um esforço que tem sido feito ao longo destes anos para a utilização de terapêuticas individualizadas e adequadas a cada doente e a cada doença.

Fomos conseguindo identificar alguns marcadores biológicos que nos permitem determinar, à partida, quais os doentes que vão responder melhor a um determinado tipo de tratamento, ou seja identificámos alguns fatores preditivos de resposta, o que se traduz, num ganho de efetividade e habitualmente também com significativo ganho de sobrevivência.

Um exemplo é o que já fazemos no cancro colo-retal, através da identificação das mutações do gene RAS, que quando presentes nos permitem identificar os doentes que não respondem aos agentes anti-EGFR. Desta forma, através de uma individualização terapêutica, conseguimos ser mais eficazes, e evitamos administrar medicamentos a doentes que não iriam beneficiar com eles e que poderiam trazer alguma toxicidade, para além dos custos acrescidos.

NF - Há hoje uma maior preocupação em termos de Oncologia Preventiva (identificação de doentes de risco, realização de rastreios, etc.)?

SB -
Julgo que hoje em dia há uma maior preocupação com esses aspetos, em particular nos Cuidados de Saúde Primários, com um esforço para que os cidadãos adotem um padrão de vida mais saudável, enquanto fator importante na diminuição do risco para muitos tipos de tumores, inclusive para os tumores do aparelho digestivo.

Por outro lado, também tem havido algum incentivo para o desenvolvimento de programas de rastreio no País, nomeadamente nas regiões de Coimbra e do Alentejo. A curto prazo, seria desejável que a área do rastreio fosse muito mais desenvolvida e alargada a toda a população portuguesa, até porque está sobejamente demonstrado, nomeadamente nos casos dos cancros do cólon e do reto, que o rastreio influencia significativamente a diminuição da mortalidade.

NF - E relativamente aos outros países da Europa, como se posiciona Portugal na área da Oncologia?

SB -
Penso que Portugal está ao mesmo nível da maioria dos países europeus dos EUA. Nós colaboramos com grupos internacionais de investigação, estamos a par daquilo que são os últimos dados da ciência e, portanto, aquilo que se faz nos melhores centros mundiais é também aquilo que se faz na generalidade dos centros portugueses.

Naturalmente isto não significa que não existam algumas dificuldades, mas tentamos sempre ultrapassá-las e garantir ao doente o tratamento mais atual e eficaz de acordo com o estado da arte.

NF - No contexto da investigação, sente que há hoje uma maior participação de doentes portugueses em ensaios clínicos?

SB –
Embora a nossa população não seja à partida muito disponível para essa participação, julgo que nos últimos anos tem havido um esforço significativo nesse sentido, para que nós possamos ter em Portugal mais ensaios clínicos internacionais ou nacionais e para que os nossos doentes possam ser participantes nesses estudos, contribuindo para o avanço do conhecimento científico e beneficiando, em determinadas circunstâncias, da sua inclusão nestes protocolos de investigação.

O GICD tem sido uma das entidades empenhadas em desenvolver ensaios clínicos disponíveis, de maneira a podermos ter colaborações com grupos internacionais congéneres, para que possamos estar, nesse campo, ao mesmo nível que os outros países e ter maior acesso à inovação científica.

NF - Qual é o contributo do GICD no panorama nacional do cancro digestivo?

SB -
O GICD, através das suas atividades, tem tentado inovar nomeadamente: mobilizando os profissionais de saúde e respetivas instituições para participarem em protocolos de investigação nacionais e internacionais; organizando ações de formação; realizando anualmente o Congresso Nacional do Cancro Digestivo, reunião de grande importância para a formação e divulgação de informação científica e para a atualização de todos os profissionais desta área e, em especial, dos jovens especialistas; elaborando e divulgando informação específica para os doentes.

NF - Durante esta década, qual o contributo em termos de educação, formação, e atualização, do Congresso Nacional do Cancro Digestivo?

SB -
Este congresso anual de cancro digestivo é muito importante porque constitui a maior reunião de Oncologia Digestiva a nível nacional, convocando especialistas de todo o País das várias instituições que tratam cancro.

Uma reunião a esta escala permite partilhar experiências, dificuldades e soluções encontradas para ultrapassar essas dificuldades, e contribui decisivamente para a educação, formação e atualização de toda a comunidade oncológica, o que nos capacita para um melhor acompanhamento e tratamento dos nossos doentes.

Outra preocupação é trazer sempre alguns colegas estrangeiros para que possam partilhar as experiências locais e trazer as últimas informações importantes para que possamos melhorar o nosso nível de conhecimentos e acompanharmos os desenvolvimentos lá fora.

A atualização científica periódica e contínua é absolutamente fundamental para que possamos prestar bons cuidados de saúde oncológica à nossa população, uma vez que, ao ficarmos mais informados, ficamos também mais preparados para no dia-a-dia, desempenhando as nossas funções com mais qualidade e com mais rigor.

NF - Quais são as principais novidades contempladas no programa da 10.ª edição do Congresso?
SB - À semelhança dos anos anteriores, esta 10.ª edição abordará as várias áreas do cancro digestivo e haverá espaço para a atualização e para a partilha de conhecimentos. Este 10.º aniversário do Congresso Nacional do Cancro Digestivo é seguramente importante porque vamos poder discutir vários dos aspetos e inovações já descritas, e rever a evolução da última década que se traduziu numa melhoria significativa daquilo que eram os resultados anteriores e que agora são francamente melhores. Durante o congresso falaremos das novas terapêuticas para os vários tipos de cancro, mas também das novas estratégias multidisciplinares e terapêuticas de suporte, entre outros temas de interesse De que saliento a apresentação e discussão das guidelines do GICD para o cancro colorretal.

O principal objetivo deste Congresso é que todos os participantes possam regressar aos seus locais de trabalho mais capacitados para melhor tratarem os doentes.

NF - O que se espera de um Congresso que assinala um número redondo como os 10 anos?
SB - Eu espero que estes 10 anos, uma idade já respeitável para um Congresso, seja apenas o início e que daqui a 30 anos possamos comemorar os avanços na área do cancro digestivo de uma forma entusiástica, com propostas inovadoras para o tratamento dos nossos doentes.

Este 10.º aniversário é um marco importante porque são 10 anos da nossa atividade, 10 anos de esforço contínuo para que houvesse melhoria contínua da qualidade. Um caminho que exige a participação de todos e espero, sinceramente, que ele seja continuado pelos mais novos e que o projeto do GICD possa crescer e adaptar-se à realidade e às necessidades futuras.

Texto original publicado na edição comemorativa dos 10 anos do Congresso Nacional do Cancro Digestivo

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