Estudar o cancro como uma doença sistémica
Professor Doutor Sérgio Dias
21/10/14

Desde há uns anos a esta parte, o estudo centra-se na contribuição de células derivadas da medula óssea, que normalmente dão origem ao sistema imunitário, mas também a outras células, e de que modo é que essas células podem contribuir para o estabelecimento e a progressão de diferentes tipos de cancro.
"Algumas das contribuições que a nossa equipa deu já, passam, por exemplo, pela descoberta de células da medula óssea que conseguem levar à formação de vasos sanguíneos dentro dos tumores. Chegadas aos tumores, diferenciam-se em células dos vasos sanguíneos, trazendo, nomeadamente, mais oxigénio e nutrientes, permitindo a expansão", afirma o Professor Doutor Sérgio Dias.
Uma outra contribuição, publicada no ano passado, diz respeito à existência de um outro tipo de células derivadas da medula, um subtipo de macrófagos, cuja função é entrar nos tumores sólidos e ativar um determinado conjunto de vias de sinalização levando a uma transformação celular que permite que essas células do cancro dos tumores sólidos venham a formar metástases.
"Essa contribuição de células derivadas da medula é muito importante, primeiro porque nos permite detetá-las em circulação no sangue de doentes. Neste momento estamos precisamente a validar isso numa coorte de doentes com diferentes tipos de tumores sólidos. Se conseguimos detetar essa população em circulação significa que esses doentes têm uma maior probabilidade de vir a desenvolver metástases em resultado do seu cancro", declara. Por outro lado, prossegue, mostra-se ainda que há diferentes formas de estudo do cancro, porquanto trata-se de uma doença sistémica, que envolve não só o órgão local como uma interação com outros tipos de células e de órgãos no corpo.
Outra parte do trabalho efetuado neste laboratório tem a ver mais com tumores hematológicos e a comunicação entre células malignas, seja de leucemias seja de linfomas, e os outros elementos da medula óssea, ou seja as células ditas normais.
"O nosso foco de estudo tem sido, por interesse, nos vasos sanguíneos da medula óssea. Aquilo que descobrimos, e fizemos vários trabalhos nesse sentido, revela que não só os vasos sanguíneos da medula óssea são muito importantes para a expansão da própria doença – seja, por exemplo, uma leucemia aguda –, como também para a criação de determinados ambientes, denominados nichos. Fazem com que as células leucémicas sobrevivam particularmente bem junto a determinados tipos de vasos sanguíneos da medula óssea, sendo que essa capacidade de sobrevivência leva a que elas respondam menos a quimioterapia e a outros tipos de abordagem", acrescenta.
Silenciar a expressão génica
No que diz respeito a outras iniciativas, o Professor Doutor Sérgio Dias está neste momento a escrever, em colaboração com um colega brasileiro, para uma call de financiamento de projetos da Fundação da Ciência e Tecnologia e da FAPESP –Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
"Pretendemos silenciar a expressão génica, ou seja a produção de fatores por parte do endotélio de tumores. Não é combater a formação dos vasos, é conseguir silenciar geneticamente a função das células dos vasos sanguíneos dentro do tumor", avança.
O projeto, diz, irá envolver o cruzamento de diferentes tipos de modelos animais geneticamente modificados para este fim, ou seja, do ponto de vista genético conseguir apagar a expressão de fatores só no endotélio e não no tumor e, de seguida, avaliar quais são as consequências para o desenvolvimento.
Projetos entre 3 e 5 anos
Questionado sobre a duração de cada projeto, o Professor Doutor Sérgio Dias afirmou que varia muito, mas que, no máximo duram cinco anos.
Os projetos da Fundação para a Ciência e Tecnologia ou os projetos europeus, por exemplo, têm uma duração média de três anos, refere, acrescentando que outros há, como um em que trabalharam em 2013, sobre cancro da mama, financiado pela Fundação Laço.
"Tratava-se de um projeto para um ano, ao longo do qual procurámos atingir determinados objetivos e obter resultados preliminares para depois, quem o continuar, tentar um projeto um pouco mais longo", conclui.
Texto original publicado na revista Hematologia e Oncologia n.7, setembro 2014