Dado o extenso impacto familiar, social, económico e cultural, é uma doença que desperta e exige um grande empenhamento do ponto de vista clínico e terapêutico. Atualmente, as doentes com cancro da mama dispõem de opções terapêuticas eficazes, que permitem “ajudar a combater a doença”, pelo que podem encarar a sua vida com esperança crescente. A confiança na investigação científica e a crença no desenvolvimento de medicamentos que venham responder às necessidades dos doentes deverão ser contextualizadas na valorização dos benefícios e na discussão dos custos.
A prevalência do cancro da mama aos cinco anos é superior a 21.000 casos e a taxa de sobrevivência (no mesmo período) supera os 85%, apesar de cerca de 5% dos casos se apresentarem no momento do diagnóstico com metástases à distância e cerca de 10% com tumores localmente avançados.
A maioria dos casos diagnosticados corresponde a tumores em fase inicial e a taxa de tumores avançados tem vindo a diminuir de forma consistente nos últimos anos, “graças ao rastreio organizado, ao papel dos cuidados de saúde primários e a um maior alerta social para a doença”, explica o Prof. Joaquim Abreu de Sousa, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia (SPO).
O cancro da mama avançado é uma doença muito complexa e o seu tratamento requer a intervenção de especialistas de várias áreas, que atuem de forma sequencial e coordenada para garantir os melhores resultados. “Tratar doentes com cancro da mama avançado pressupõe um enorme desafio de conhecimento científico e de competência técnica e humana, sendo imprescindível uma abordagem multidisciplinar integrada”, frisa.
O tratamento do cancro da mama avançado está pouco padronizado, existe alguma variabilidade clínica e falta de consensos. Joa-quim Abreu de Sousa conta que “a SPO tem tido um papel relevante nesta matéria, através da organização de reuniões científicas/consenso e participando ativamente na elaboração de normas de orientação clínica, para além das atividades de divulgação dos avanços no conhecimento, estimulando a investigação básica, translacional e clínica, promovendo as boas práticas, a formação e a educação médica contínua em Oncologia”.
Cortes na saúde versus tratamentos de qualidade
Na fase que o país atravessa, e quando ouvimos que tem de haver cortes nas despesas da saúde, o que devem esperar os portugueses? Perante a questão, o Dr. Manuel António L. Silva, presidente do Conselho de Administração do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Coimbra, responde: “No Instituto, garantimos que nenhum doente deixará de ser tratado com qualidade.”
Sobre o facto de os tratamentos inovadores estarem associados a um acréscimo dos custos e se há condições de poder dar estes medicamentos aos portugueses, admite que se trata de uma questão sensível e que normalmente gera muita polémica.
O IPO de Coimbra dispõe de critérios de validação dos medicamentos utilizados no tratamento da doença oncológica e que se consubstanciam nos fundamentos científicos disponíveis. “Para cada indicação, e de acordo com as normas de orientação clínica, a Comissão de Farmácia e Terapêutica valida criteriosamente cada medicamento antineoplásico”, assegura o responsável.
Manuel António L. Silva aproveita para esclarecer um outro ponto: “Se é verdade que os tratamentos inovadores estão associados a um acréscimo de custos, também é verdade que nem o custo é, por si só, critério que afaste a possibilidade de os disponibilizar ao doente, nem o facto de serem inovadores é, por si só, critério para a sua disponibilização.”
No IPO de Coimbra, existem instâncias internas que “têm um papel fundamental ao nível da gestão do medicamento e dos ensaios clínicos, ao combinarem critérios de avaliação que consideramos fundamentais para a tomada de decisão”.
Vivemos num tempo em que é muito difícil prever todas as variáveis que influenciam as decisões, não só ao nível político, mas também ao nível das instituições. Para o futuro, um desejo: “Continuar a tomar medidas que permitam ultrapassar eventuais constrangimentos orçamentais.”
Tratamento do cancro da mama muito estudado
“Cerca de 70% dos cancros da mama apresentam expressão de recetores hormonais superiores a 1%, sendo, por isso, considerados sensíveis à hormonoterapia”, informa a Dr.ª Helena Gervásio, oncologista no Instituto Português de Coimbra, em Coimbra.
No tratamento hormonal, “o tamoxifeno continua com indicação absoluta nas doentes pré-menopáusicas, associado ou não à castração química ou cirúrgica. Nas mulheres pós-menopáusicas, mantém-se a sua indicação, não obstante os inibidores da aromatase não esteroides (anastrazole e letrozole) que surgiram mais tarde e com eficácia superior e, por isso, são aconselhados como tratamento de 1.ª linha”, indica.
Apesar da evolução da qualidade de resposta nestes tratamentos, surge, com alguma frequência, resistência. “Dispomos, para tratamento de 2.ª linha, de outros inibidores da aromatase (esteroides) e os antagonistas dos recetores de estrogéneos (fulvestrant).”
O estudo realizado em doentes com cancro da mama com recetores hormonais (RH) positivos que manifestaram resistência à terapêutica endócrina conduziu à identificação de novas estratégias terapêuticas em que “a utilização de um inibidor do mTOR (everolimus), associado à terapêutica endócrina, resulta numa inibição sinérgica da proliferação e induz à apoptose”.
Nos últimos 10 anos, segundo o Prof. Passos Coelho, oncologista no Hospital da Luz, em Lisboa, “foi demonstrado que no tratamento adjuvante a inclusão de inibidores da aromatase, em substituição de ou em sequência com tamoxifeno, resulta no prolongamento da sobrevivência sem recorrência e, possivelmente, também na sobrevivência global, em comparação com o tratamento anteriormente recomendado de cinco anos de tamoxifeno”.
Resultante da melhor compreensão dos mecanismos de desenvolvimento de resistência adquirida ao tratamento hormonal, percebeu-se a importância do mediador intracelular mTOR, para o qual existem, hoje em dia, medicamentos inibidores. Ensaios clínicos em doentes com carcinoma da mama que deixaram de responder ao tratamento hormonal demonstraram que “é possível recuperar a sensibilidade do tumor ao tratamento hormonal pela manutenção deste tratamento, em conjunto com a administração de um medicamento inibidor do mTOR (chamado everolimus)”. E acrescenta: “A atividade clínica foi demonstrada nos estudos TAMRAD e BOLERO-2 em doença metastática.”
Já o Prof. Luís Costa, oncologista no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, diz que os inibidores da mTOR têm sido estudados para o tratamento do cancro e, neste contexto, foram testados para reverter a resistência à hormonoterapia. “O everolimus apresenta os resultados mais favoráveis”, refere. Tal significa que, “para as doen-tes com cancro da mama que não estavam a responder a uma forma de hormonoterapia, quando fizeram a 2.ª linha associada ao everolimus, duplicaram a expectativa de controlo da doença”.
“O everolimus está aprovado pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) e será, entretanto, avaliado pelo Infarmed, no que se refere ao seu valor clínico acrescentado e farmacoeconómico para utilização em Portugal. Até lá, o fármaco só está acessível por autorização especial de introdução, concedida pelo Infarmed, após solicitação para cada caso clínico que seja proposto pelo médico assistente e aprovado pela Comissão de Farmácia e Terapêutica da respetiva unidade hospitalar.
As vantagens clínicas da utilização deste fármaco em associação com uma 2.ª linha de hormonoterapia são, na opinião de Luís Costa, “muito evidentes. Na publicação do estudo, os doentes tratados com a combinação terapêutica everolimus mais exemestano tiveram um tempo médio até progressão da doença de 6,9 meses, enquanto que para o grupo de doentes que só fez o exemestano o mesmo parâmetro foi avaliado em 2,8 meses”.
Após a recente atualização de dados deste estudo, já com um seguimento de 18 meses, verificou-se que o grupo de mulheres tratadas com everolimus e exemestano apresentam uma sobrevivência livre de progressão de 11,0 meses, enquanto o grupo tratado com exemestano apresenta 4,1 meses. Os resultados descritos, nas palavras do entrevistado, “constituem uma inegável novidade pelo benefício alcançado e pelo facto de ser possível ultrapassar a barreira da resistência à homonoterapia”.
A comunidade científica está empenhada em compreender como será possível selecionar os doentes ideais para este tratamento, através de testes no tumor e de características clínicas que indiquem o grupo ideal de doentes para uma terapêutica que é revolucionária, mas que também tem efeitos adversos e custos.
“Esperamos que este seja mais um dos momentos de esperança. Desejamos também que a sensatez impere na permissão a um acesso controlado e criterioso dos doentes para este medicamento e que esta realidade do avanço da medicina não se torne numa (des)ilusão”, salienta.
Helena Gervásio lembra também que “os resultados do ensaio clínico BOLERO-2 mostraram um aumento significativo, na sobrevivência livre de progressão, nas doen-tes com cancro da mama avançado e tratadas com a associação de everolimus e exemestano”.
No ensaio clínico TAMRAD, foi comparada a associação do everolimus com tamoxifeno versus tamoxifeno, em doentes com cancro da mama avançado, RH positivo e HER2 negativo, após falência ao tratamento com inibidores da aromatase não esteroide, “mostrando também um aumento significativo na sobrevivência livre de progressão para o grupo de doentes que recebeu a associação”.
Todos estes ensaios confirmam uma nova era terapêutica, com a possibilidade de reverter a resistência tumoral ao tratamento hormonal e, de acordo com a oncologista de Coimbra, “estamos crentes que virão a contribuir para melhor controlo desta doença, permitindo a diminuição da resistência ao tratamento hormonal e, deste modo, possibilitarão o prolongamento da hormonoterapia nas doentes com tumores RH positivos, adiando a quimioterapia, que tem maior toxicidade”.
Tal como Luís Costa, Helena Gervásio também diz que, “atualmente, e apesar de o everolimus já estar aprovado pela EMA, em Portugal, só pode ser utilizado através do pedido para utilização especial (AUE), quando devidamente justificado”.
LPCC defende rapidez na aplicação dos tratamentos
“O cancro da mama, assim como outros tipos, pode ser ´transformado` numa doença crónica”, indica o Prof. Carlos Freire de Oliveira, presidente da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC), sublinhando que, depois de serem conhecidas as características biológicas do tumor, os médicos informam as doentes sobre os tratamentos disponíveis.
Os estudos científicos disponíveis mostram que “o everolimus é uma alternativa, até mesmo em associação com a hormonoterapia, para tumores sensíveis ao tratamento hormonal”. Mas existe um problema: “A questão relaciona-se com a disponibilidade deste medicamento.”
Segundo Carlos Freire de Oliveira, os atrasos que se verificam na aprovação dos medicamentos por parte do Infarmed e, sobretudo, por parte do Ministério da Saúde de disponibilizá-los a nível hospitalar são extremamente longos. Toda a interferência burocrática que impede a utilização do medicamento de forma rápida “é uma grande limitação à sua utilização”.
A LPCC tem como principal objetivo defender os direitos dos doentes oncológicos, assim como dos sobreviventes. No entanto, “não tem como missão determinar qual o melhor esquema de tratamento a ser utilizado, mas sim ter esperança que as instituições hospitalares e os próprios médicos, de acordo com a ética, prescrevam o melhor tratamento”.