News Farma (NF) | Este estudo apresenta um retrato da epilepsia nos hospitais públicos em Portugal. Qual foi o racional por detrás desta iniciativa?
Nuno Canas (NC) | O principal objetivo deste estudo foi quantificar os internamentos relacionados com a epilepsia nos hospitais públicos portugueses entre 2015 e 2018, tentando deste modo avaliar o impacto que esta patologia tem no Sistema Nacional de Saúde (SNS).
NF | Quais foram os principais desafios durante esta análise, visto ainda se desconhecer o real impacto que tem no SNS?
NC | O principal desafio encontrado durante o estudo foi não incluir na análise os doentes que tiveram crises sintomáticas agudas durante o internamento, ou seja, doentes que na realidade não têm epilepsia, mas sim crises provocadas por agressões agudas ao sistema nervoso central, como traumatismos cranianos, acidentes vasculares agudos ou alterações infecciosas ou metabólicas que pudessem ter desencadeado as crises. Para tal ser conseguido, foi necessário uma cuidadosa avaliação dos códigos de internamento atribuídos aos doentes.
NF | Que objetivos pretendem atingir com a divulgação dos dados recolhidos?
NC | Pretendemos não somente quantificar os doentes internados com epilepsia durante o período de avaliação, mas também saber os recursos que utilizaram durante o internamento em termos de exames complementares, as comorbilidades que apresentam, o tempo médio de internamento, e a mortalidade associada. Isto nos doentes em que a epilepsia foi o diagnóstico principal, secundário, e nos doentes com epilepsias refratárias, não controlados com dois ou mais fármacos anticrises epilépticas.
NF | Durante o período em análise, foram internados mais de 49 000 doentes com epilepsia. Do total de internamentos, 18,5 % dos doentes tinham crises não controladas com dois ou mais fármacos anticrises epiléticas. Existe espaço para melhorias no que diz respeito às terapêuticas para quem sofre de epilepsia? De que forma se pode proceder?
NC | Cerca de um terço dos doentes com epilepsia têm epilepsias refratárias, com crises não controladas com as terapêuticas atualmente disponíveis. Estes doentes devem ser referenciados a centros de referência em epilepsia refractária, existem cinco em Portugal, onde deverão ser avaliadas possíveis alternativas terapêuticas através uma análise multidisciplinar de cada caso em concreto. Nestas alternativas incluem-se a cirurgia da epilepsia, com técnicas consideradas curativas ou paliativas, onde se inclui a neuro-estimulação; ou outras alternativas terapêuticas, como a dieta cetogénica ou inclusão em ensaios terapêuticos com novos fármacos, como exemplos.
NF | Tendo em conta as conclusões retiradas deste estudo, o que podem os profissionais de saúde do SNS fazer para melhorar a qualidade de vida destes doentes?
NC | A qualidade de vida dos doentes com epilepsia passa não somente pelo controlo adequado das crises, mas também pelo controlo das comorbilidades associadas, entre as quais se destacam as comorbilidades psiquiátricas e psicológicas. Em relação ao controle das crises, é fundamental selecionar a terapêutica farmacológica mais adequada a cada doente, de acordo com vários fatores, com destaque para o tipo de epilepsia/síndrome epilético que o doente apresenta, e com as características específicas de cada fármaco. Para tal, é necessário uma referenciação para as consultas de epilepsia existentes na maioria dos hospitais pertencentes ao SNS. Em relação ao controlo das comorbilidades, é fundamental um trabalho de equipa multidisciplinar, com envolvimento de outras especialidades que não somente a Neurologia, como a Psiquiatria, Medicina Interna ou Psicologia. Nos doentes refratários é fundamental uma referenciação precoce para os centros de epilepsia refractária, que terão de ter a capacidade de os receber em tempo útil. Para tal, é necessário uma profissionalização destes mesmos centros, com profissionais de saúde exclusivamente dedicados à avaliação destes doentes.
NF | A epilepsia afeta cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Qual é a previsão para o futuro da patologia?
NC | A incidência de epilepsia tem dois picos: um na criança em idade precoce, outra no idoso. Com o envelhecimento progressivo da população é previsível que o número de doentes com epilepsia aumente nos próximos anos. Daí a necessidade de que os sistemas de saúde estejam preparados para avaliar de forma adequada e célere estes doentes. Outra necessidade urgente é a compreensão dos mecanismos que geram as epilepsias, denominados mecanismos de epileptogénese. Se num futuro que esperamos não distante os conseguimos compreender, poderemos evitar algumas das epilepsias que atualmente enfrentamos, especialmente as pós traumáticas e pós-acidente vascular cerebral (AVC).